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segunda-feira, 23 de novembro de 2020

A igreja racista brasileira

Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas. – Romanos 2:11

Ontem foi celebrado o Dia da Consciência Negra, repleto de protestos por conta da morte de Beto Freitas, negro, dentro das dependências de uma loja Carrefour em Porto Alegre (RS). A essa, soma-se uma série de denúncias de violência ocorridas nessa rede de hipermercados.

Mas não quero tratar do Carrefour, embora ele seja um sintoma de uma sociedade doente. Quero tratar da igreja racista brasileira.

A igreja racista brasileira, assim como os racistas brasileiros, é dissimulada e não se diz racista, ao contrário! Ela tem até membros “de cor”, dizimistas fiéis, assim como os racistas dissimulados têm seus amigos e conhecidos negros. A proximidade – com reservas e bom espaço, diga-se de passagem – com gente preta traz uma aparência de bom mocismo à igreja racista brasileira, assim como o faz com os racistas brasileiros. E assim, vive-se no Brasil uma falsa sensação de que não há racismo estrutural, apenas episódios esporádicos. E, se não há racismo estrutural, não há mal a ser combatido. E, para a alegria da igreja racista brasileira e dos racistas brasileiros, tudo continua como antes.

Como já dito, racistas costumam estar próximos de gente preta. E até se acham amigos de alguns, o que não os tornaria racistas. Mas em boa parte, esses pretos suportados são subalternos, como a moça da limpeza, o porteiro do prédio, o manobrista do restaurante da moda. Para esses, sorrisos e até alguma boa vontade, afinal são pretos mas são gente muito honesta, a quem até se pode deixar a chave do carro ou tomar um café sem medo. E da mesma forma, a igreja racista brasileira também tem seus pretos subalternos, a líder das senhoras, o líder do louvor, o obreiro que fica na porta.

Mas em casos raros, um preto é alçado a um nível próximo do racista e da igreja racista brasileira. Mas apenas se esse preto deixa de se sentir preto e passa a se sentir branco, a ser um igual. E isso significa também deixar de sentir a dor das gentes pretas das quais ele deixou de pertencer. E assim vemos pretos-não-pretos em altos escalões de igrejas racistas brasileiras, e vemos pretos-não-pretos ao lado de racistas.

Isso me trouxe à lembrança o ótimo “O Último Rei da Escócia”, (aviso de spoiler! Se não assistiu ao filme, pule para o próximo parágrafo) onde um jovem médico branco passa a ser considerado o “macaco branco” do ditador de Uganda.

Mas, se racistas e a igreja racista brasileira vivem de certa forma próximos à gente preta, como reconhecê-los?

A característica maior que une os racistas dissimulados (tanto a igreja quanto os indivíduos) é o desmerecimento de tudo o que diga respeito ao povo preto. O grau de empatia é zero: não querem acreditar que um preto tenha sido seguido no shopping por seguranças por ser preto, e que uma preta não tenha conseguido aquela vaga para a qual tinha o melhor currículo por não ter “boa aparência”. Para os racistas dissimulados, tudo é frescura, é coisa de “nutella”, é “mimimi”. Claro, nunca serão seguidos no shopping, nunca serão considerados menos bonitos, seus cabelos não são considerados “ruins”, suas aparências não trazem suspeitas.

Agora, falando mais especificamente da igreja racista brasileira, como ela não tem empatia pelo povo preto, apenas pelo bolso e mão-de-obra gratuita que esse povo pode lhe proporcionar, seu sofrimento não lhe causa nada. E por isso, a igreja racista brasileira apoia sem a menor dor na consciência falas como as seguintes:

Ô Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco [de um dos filhos se apaixonar por uma mulher negra] e meus filhos foram muito bem educados, e não viveram em ambientes como, lamentavelmente, é o teu”.

“Fui num quilombola (sic) em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava 7 arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem pra procriador ele serve mais”.

“Vem cá, minha sombra!”

“Isso não pode continuar existindo. Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso”.

A igreja racista brasileira é a versão light da Ku Klux Klan. Hoje, não queima pretos como sua correlata americana, mas os cala, os intimida, os aprisiona no sistema do “não toqueis no ungido do senhor” e no “pecado de rebeldia”. Demoniza sua cultura, suas crenças, suas danças, sua história. Aos pretos que lhe servem, basta abaixar a cabeça e repetir o mesmo discurso do seu (im)pastor: tudo isso é mimimi e vamos continuar apoiando quem deus colocou lá para abençoar a nação.

Mesmo que às custas de injustiça. Mesmo que às custas da omissão diante das violências verbais, físicas, econômicas e sociais. Mesmo que às custas da falta de empatia. Mesmo que às custas do esfriamento do amor.

O racismo cometido dissimuladamente contra a gente negra é só uma das facetas da igreja racista brasileira. Ela é também omissa e inimiga dos homossexuais, dos miseráveis, dos que se posicionam contra as injustiças, de qualquer um que possa, de alguma forma, ameaçar seu império na terra – pois nos Céus não possui nenhuma morada.

A igreja racista brasileira, ao contrário de Deus, faz e perpetua a acepção de pessoas. Tudo em nome de um projeto de poder político terreno (aliás, a única coisa que lhe é possível).

Mas os injustiçados têm seu lugar junto ao Pai. E ai do clamor de Justiça deles!!!

Não se compraza com a injustiça. Não se omita. Não se acovarde. Os tesouros que os políticos deste mundo podem lhe proporcionar nada são diante daquilo que o Pai preparou para os seus.

Voltemos ao Evangelho puro e simples,
O $how tem que parar!

A DEUS toda a honra e toda a glória para sempre.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A Bíblia precisa ser atualizada?

 






Tendo sido composta na antiguidade, a Bíblia traz seus ensinos imergidos dentro do ambiente histórico em que foi escrita. Além disso, com exceção do livro de Paulo escrito aos Romanos, os demais escritos não seguem estrutura sistematizada e trazem a Palavra e revelação de Deus a partir de situações concretas dos ambientes em que ocorriam. Dentro do modo batista de crer e pensar herdamos da Reforma Protestante um dos seus principais pilares traduzido na expressão “somente a Escritura” (sola scriptura) apontando para o fato de que a Palavra de Deus é autoridade suprema sobre nossa fé e prática, aceitando, portanto a sua inspiração divina (2 Tm 3.16, 17). Este é um dos Princípios Distintivos dos Batistas. O espaço aqui não nos permitirá abranger extensamente o tema, mas vamos, pelo menos, dar uma visão panorâmica.

Ao buscarmos a compreensão de um documento nos valemos de alguns princípios de interpretação. Não é diferente para a compreensão da Bíblia e, para isto, utilizamos um conjunto de princípios ou regras que aprendemos no campo da Hermenêutica. Além disso, a Bíblia não foi escrita em nosso idioma, mas em idiomas daquela época – hebraico, aramaico e grego. Temos as traduções bíblicas para os diversos idiomas com o objetivo de facilitar a sua leitura dando acesso aos povos que vieram depois de sua composição.

Então, para a compreensão do texto sagrado precisaremos começar a estudá-lo a partir de seus idiomas originais. Temos, assim, o concurso do trabalho exegético e seus protocolos de trabalho. A isto ainda temos de nos valer de outra área do trabalho interpretativo que é a Crítica Textual para a busca do que chamamos de recensão do texto autógrafo, isto é, do texto que saiu da pena do escritor, como dizemos nos estudos sobre a interpretação bíblica, estudando os diversos manuscritos que permaneceram e foram descobertos pelos arqueólogos.

Todo este trabalho é revestido de muita pesquisa e busca para a compreensão do significado da Palavra de Deus de modo a esclarecermos ao seu povo a sua verdade que nos foi revelada. Assim, a Hermenêutica nos dá os princípios de interpretação, o trabalho exegético nos concede a metodologia de aproximação ao texto bíblico e a Crítica Textual nos apresenta o texto sagrado a ser estudado.

Um dos princípios chaves da Hermenêutica é o estudo do contexto, isto é, os detalhes que estão em volta do texto que está sendo estudado. Assim, temos o contexto interno, isto é, os dados e informações relacionados ao texto em estudo, mas que estão dentro do próprio texto bíblico. Neste caso temos o contexto interno próximo do texto em tela, e o distante do texto em estudos. Todo este material irá nos dar informações para o devido esclarecimento do texto bíblico foco de nosso estudo e compreensão. Mas também existe o contexto externo a este texto, isto é, informações e dados históricos, religiosos, sociais etc., que estão fora do texto bíblico e presentes na época em que foi escrito, mas que nos dão informações para a sua compreensão.

Para facilitar e utilizando uma tradução em português (Nova Versão Internacional), podemos dar um exemplo simples aqui especialmente sobre o contexto externo. No Sermão da Montanha Jesus nos desafia (Mateus 5.39-41): “Não resistam ao perverso … se alguém quiser processá-lo e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa. Se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas.” Como compreender a palavra “túnica” dentro de nosso catálogo de roupas? E “milha”, não seria quilômetro? Não vamos detalhar, mas são itens e medidas daquela época. Portanto, precisamos compreender o sentido do texto à luz do seu contexto, interno e externo.

Outro exemplo, é a prescrição paulina sobre a mulher utilizar cabelo comprido na igreja (1 Co 11.1ss). Fazendo uma pesquisa no contexto histórico e religioso da época, alguns intérpretes entendem que este texto se refere a mulheres que atuavam como sacerdotisas nos cultos pagãos e tinham sua cabeça raspada. Ao se converterem ao Evangelho continuavam mantendo este costume e iam aos cultos da igreja e isto estaria causando alguma confusão de compreensão sobre a mistura do Evangelho com o paganismo. Diante disso, o apóstolo Paulo dá a orientação sobre a necessidade de a mulher utilizar cabelo comprido ou pelo menos usar véu. Se esta interpretação está correta, temos aqui a necessidade de compreender o motivo pelo qual a advertência paulina foi dada aos crentes de Corinto apontando para o fato da necessidade de haver diferença entre o cristão e o não cristão.

Este exemplo é importante sobre o tema que estamos tratando, pois aqui não se trata da necessidade de atualizarmos a Bíblia, mas de compreendermos os fatos que estão no envoltório de seus ensinos para entendermos o seu significado mais profundo. Então temos aqui não apenas a resposta à pergunta “o que” está escrito?, mas a resposta à outra pergunta mais importante ainda: “por que está escrito?”. Ou, o que levou o texto ser escrito do jeito que foi escrito? No caso, a forma (o que) é a mulher e o seu cabelo, mas o sentido (o porquê) é a necessidade de diferenciação entre cristão e não cristão. Assim, a forma aponta para a mulher, o sentido aponta para todos os crentes. Vejam que isso nos leva à compreensão mais profunda da Palavra de Deus.

Temos aqui o que podemos chamar de “hermenêutica funcional”, isto é, a busca dos significados mais profundos da Palavra de Deus, de modo que tudo o que está escrito nela é válido e não precisa ser atualizado; nós, na prática é que precisamos atualizar nossa maneira de nos aproximarmos de seus eternos ensinos. Eternos, pois são aplicáveis a todo tempo, a toda região, a todas as condições humanas, a todos os humanos.

O espaço nos permite citar pelo menos mais dois para avançarmos um pouco mais:

Porque Paulo não admoestou Filemon a dar alforria a Onésimo, seu escravo, ao lhe escrever uma carta? Para a resposta vamos voltar em Atos 15 onde vemos que, para manter a união entre os diferentes cristãos da igreja primitiva (cristãos-judeus e cristãos-gentios), a igreja, em seu primeiro concílio, apresenta quatro observações no campo da ética (Atos 15.28, 29) em que três eram ligadas a costumes judaicos, que, ao longo do Novo Testamento, nem foram mais tidas como determinações e apenas uma permaneceu. Assim, o sentido mais profundo disso foi a manutenção da unidade na igreja primitiva. Voltando a Filemon, a escravidão naquela época pertencia à estrutura de manutenção econômica da vida cotidiana. Romper de vez com ela significaria criar barreiras contra a aceitação do Evangelho. Como resolver isso? A fórmula de Paulo foi dar a Filemon o caminho intermediário: em vez de receber novamente Onésimo como escravo, Filemon deveria recebê-lo como irmão amado (Filemon 16). Em outras palavras, Onésimo continuaria servindo Filemon, mas agora dentro do ambiente fraterno cristão, em vez do ambiente de escravidão. Esta abordagem criativa e transitória de Paulo tinha, portanto, o sentido mais profundo de manter a aceitação do Evangelho naquela cultura sem barreiras e, ainda, mostrar o caminho excelente do amor. Sendo assim, Paulo atualizou a cultura e os valores daquela época com o que de mais profundo existe na natureza humana – o amor. Este é o papel das Escrituras ao serem compreendidos seus significados mais profundos – atualizar a cultura, as pessoas, os povos, os valores do mundo e das épocas. A Palavra de Deus não precisa de atualização, ela é que nos atualiza sempre.

Outro exemplo que podemos dar, neste momento, diz respeito à cultura de gênero, muito em moda hoje. Há quem se utilize apenas de alguns textos explícitos sobre a homossexualidade (Levítico 18.22; Romanos 1.19ss). Dentro de um ambiente mais profundo, por que não ir à origem e ver os princípios matriciais do Plano da Criação, quando o Criador modelou a raça humana de forma heterossexual binária – homem e mulher criou (Gênesis 1.27)?. E, a partir disso, ler toda a Bíblia. Este tema já foi estudado aqui nesta coluna (do O Jornal Batista) e apenas damos a dica de que hoje ele é fruto de construção social. A mesma construção social que legitimou a escravidão, a segregação da mulher, o tribadismo, o holocausto, que hoje, ao olharmos para trás, temos vergonha.

Pois é, fica aqui a admoestação de nosso Mestre ao dialogar com os saduceus sobre a ressurreição: “… Vocês estão enganados porque não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus!”. Nas traduções mais conhecidas do passado; “ … errais não conhecendo as Escrituras …” (Mateus 22.29)

E ainda nem pudemos falar do conceito de “revelação progressiva” para demonstrar como Deus se revelou, ao longo do tempo, para as pessoas. Isso nos daria ainda mais razão para entendermos que a sua Palavra está sempre atualizada e nos cabe estarmos atualizados quanto ao estudo de seu sentido mais profundo e de mantermos diálogo sadio com os demais irmãos, com nossas igrejas, com nossa denominação em um ambiente de aprendizagem humilde e comunhão respeitosa. Este é o grande desafio que temos hoje de vencer!


Lourenço Stelio Rega

Publicado originalmente em O Jornal Batista.

 Via https://teologiabrasileira.com.br/